quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Separatismo: ideia que vem de longe




Por João Nascimento Franco *


Nos idos de 1935, Alyrio Meira Wanderley publicou um livro apaixonado e corajoso denunciando a fatalidade separatista que pesa sobre o Brasil e que, segundo tudo faz crer, está amadurecendo neste final de século. Iniciando sua obra polêmica, cujo título era "As Bases do Separatismo", Wanderley escrevia que havia "em toda a extensão disso que se costuma chamar Brasil, um mal estar nunca visto". E continuava desenhando um quadro que poderia ser datado de hoje: "A população encontra-se na miséria e a bancarrota assaltou o governo. É uma nação como que anistiada pelos credores: três vezes, aflita e pálida, a corda na garganta, recorreu à mesericórdia financeira das moratórias. E parece um lençol, polido e multicor, puxado furiosamente para este e para aquele lado pelas discórdias regionais, no violento jogo dos interesses centrífugos, prestes e rasgar-se em cinco pedaços".

Acusado de pretender agradar a São Paulo, Wanderley reagiu que nada o prendia ao Sul e que seus compromissos eram apenas com sua pátria, o Nordeste: "Não tenho nesta terra ligações políticas com pessoa nenhuma, com associação nenhuma, nem com nenhuma facção ou partido. Interessa-me apenas o meu país, que é o Nordeste, e por ele e para ele trabalho quanto posso e como posso". (3) Passados mais de cinqüenta anos, continuam se repetindo em escala mais preocupante e mais indecorosa os fatos que o escritor paraibano apontava como prenúncio do desastre nacional. Tal como já aconteceu várias vezes, ainda há poucos meses, na vigência da. moratória que antecedeu a um acordo com os credores extremos, declarava-se "patrioticamente" que se lixassem eles, porque não se pretendia pagar dívida com sacrifício dos brasileiros. Calotes homéricos têm sido pespegados também aos credores da dívida interna.

O primeiro, pelo Sr. Dilson Funaro, no governo Sarney, aos poupadores da cademeta de poupança e de títulos análogos, através da "tablita", que sumariamente surrupiou a correção monetária dos valores investidos, a pretexto de que a inflação tinha sido extinta, apesar da evidência em sentido contrário... Mais tarde, no início do seu governo, o sr. Collor de Mello, submisso à diretriz traçada por economistas de primária formação e de duvidosas intenções, foi ainda mais radical, pois secamente confiscou os ativos financeiros acima de cinqüenta mil cruzeiros, para devolve-los bem mais tarde, atualizados por índices artificiosos e irreais.

Golpes semelhantes aconteceram sempre, a pretexto de se acudir a penúria financeira da União, monstro que suga insaciavelmente a economia nacional, através de várias dezenas de impostos, taxas, contribuições, empréstimos compulsórios jamais restituídos, etc. Em 1993, foi ilegalmente cobrado o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), até que o Supremo Tribunal Federal sustasse a cobrança naquele exercício.

Contra referida sangria protestaram inutilmente as vítimas, enquanto juristas, sociólogos e economistas esclarecidos alertavam sobre a inconstitucionalidade e a lesividade do novo tributo, que voltou a ser cobrado em 1994 e que deveria ser extinto no fim do ano, mas que, continuou indefinidamente. Tentando justificar-se, o governo federal sustentava que sem aquele tributo era impossível jugular a inflação e, com ela, o "deficit" público. Em contrário falaram os bons tributaristas, alertando para o fato de que, operando em cadeia, o IPMF alimenta a inflação, agrava a que já existe, reduz o poder de compra dos salários, desorganiza a equação económica dos contratos de execução sucessiva e, em suma, estrangula a própria ordem pública.

Implementada essa escorcha, o govemo verificou que o rombo do Tesouro continuava escancarado. Para fecha-lo, pediu-se novo tributo, o Fundo Social de Emergência. No entretempo, foi aumentada a alíquota do Imposto de Renda, o que não impede que a União já esteja pleitando, via da revisão da Constituição, ainda mais dinheiro e até a redução da minguada aposentadoria dos que na vida inteira pagaram à Previdência Social na esperança de receber, na velhice, algum amparo.

Além desses fatos, ou talvez como consequência deles, aumentam o analfabetismo, a miséria, a insalubridade, o favelamento e a criminalidade. Impossibilitadas de extinguir os favelamentos existentes e de evitar a formação de outros, as autoridades federais, estaduais e municipais falam em “urbanizá-los". Por isso, recente ex-prefeita de São Paulo chegou até a idealizar a implantação de favelas junto às áreas nobres da capital...

Esse descalabro não é de hoje, nem é novidade. É simples e lógico resultado da corrupção e do atraso que dominavam o Brasil já no século passado, quando outros países nas mesmas condições e com idade igual à nossa tomavam o rumo do desenvolvimento. Paulo Prado registrou essa constante da vida brasileira, com palavras que poderiam ser datadas de hoje: "Na desordem da incompetência, do peculato, da tirania, da cobiça, perderam-se as normas mais comezinhas na direção dos negócios públicos. A higiene vive em grande parte das esmolas americanas, a polícia, viciada pelo estado-de-sítio, protege criminosos e persegue inocentes; as estradas de ferro oficiais, com os mais elevados fretes de mercado, descarrilam diariamente ou deixam apodrecer os gêneros que não transportam; a lavoura não tem braços porque não há mais imigrantes; desaparece a navegação dos rios; a cabotagem suprime o comércio litorâneo; o dinheiro baixa por decreto, e o ouro que o deve garantir não nos pertence." (4)

Por tudo isso é que, depois de ter sonhado com o ingresso no Primeiro Mundo, o país se avizinha dos limites do quarto mundo, fato que explica a "africanização" da diplomacia praticada pelo Ministério da Relações Exteriores, a formação de uma comunidade com Angola e Moçambique (Sem depreciar estas comunidades). Em suma, o Brasil caminha a reboque do mundo desenvolvido, com insignificante e decrépita rede ferroviária, lastimáveis rodovias como a Via Dutra, a RB-116, a Fernão Dias, para não se falar nas deterioradas estradas do Norte e Nordeste, no estrebuchamento do Lloyd Brasileiro, cujos navios chegaram a ser penhorados e retidos em portos estrangeiros por falta de pagamento de débitos. Por sua vez, as empresas aéreas brasileiras sobrevivem à custa de empréstimos, subsídios e tarifas protecionistas que mantêm no ar aviões com as cores brasileiras, mas que lesam os passageiros, que poderiam viajar por preços sensivelmente menores que os anualmente cobrados.


Publicado no grupo do MRSP por Celso Deuscher

* J. Nascimento Franco In “Fundamentos do Separatismo”, Panartz São Paulo, 1993. O autor é Advogado e Constitucionalista em São Paulo.


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